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Seriam as lives o novo produto do meio musical?

by Gabriel Barros

Por Camila Toledo e Gabriel Barros

A transmissão ao vivo de áudio e vídeo se iniciou com a chegada da internet, tendo seu pontapé inicial nos EUA – mais precisamente em um show da banda americana Severe Time Damage, em 1993. A partir do desenvolvimento da internet para redes de banda larga, em 2005 a plataforma Youtube iniciava seus trabalhos, popularizando o que hoje conhecemos como livestream. Desde então, as lives se tornaram uma ferramenta poderosa para a aproximação de pessoas – em especial na relação artista-fã. Porém, em tempos de isolamento social em decorrência da pandemia por Covid-19 onde as interações online são as únicas recomendadas, levanta-se o questionamento: seriam as lives um novo produto do meio musical?

Em maio deste ano, o Youtube divulgou uma lista com as dez maiores audiências em lives na história da plataforma e o Brasil, além de liderar o número de aparições na lista – ocupa sete posições, todas elas com cantores(as) -, detém o recorde de público virtual: a cantora sertaneja Marília Mendonça reuniu 3,31 milhões de espectadores simultâneos em transmissão feita no dia 8 de abril. Uma curiosidade: todas as posições no ranking do Youtube são ocupadas por lives realizadas no período de quarentena (entre março e abril de 2020), evidenciando como essas transmissões ao vivo tomaram conta das plataformas digitais e apareceram como uma oportunidade para artistas, produtores, empresas de locação de som e toda a gama de profissionais que atuam no universo dos eventos se reinventarem em suas respectivas profissões – além, claro, de se tornar mais uma forma de entretenimento para quem está confinado em casa.

Visto o quanto o cenário foi modificado durante esse período de isolamento, a reportagem do BeloriNews buscou personagens que exemplificam como esse “novo normal” está sendo absorvido por quem trabalha diretamente no setor de eventos, numa série de entrevistas audiovisuais. Nosso primeiro personagem é Henrique Chaves, um dos fundadores do maior festival de Minas Gerais e um dos maiores do país: o Planeta Brasil. Em entrevista, ele conta sua opinião sobre esse novo momento dos eventos não só em MG, mas em todo o Brasil. 

BeloriNews: A visibilidade das lives se equipara à dos shows ao vivo?

Henrique Chaves: “As visibilidades de live e show ao vivo são diferentes, não dá para ser comparada, são experiências distintas. A live é um produto e os shows ao vivo [são] outro!”

BN: Como tem sido a busca por oportunidades de lives pagas/patrocinadas para os artistas?

HC: “A live é um produto pontual, que é muito mais uma oportunidade para o artista que para o promotor e produtor de shows! Não é um produto que todos patrocinadores estão atrás, fez parte de uma estratégia de momento que todos estavam vivendo.”

BN: Com a volta dos eventos, você acha que as lives continuarão tendo espaço no mercado e na agenda dos artistas?

HC: “Sim, acredito que as lives vão estar na estratégia de retorno sim, com lançamentos, etc! Vimos isto a quantos anos no Show da virada da Globo ou nos especiais do Roberto Carlos? (risos) Agora surgiu uma nova mídia para fazer isso: a internet!”

BN: Para você, como foi/tem sido a adaptação dos shows para lives?

HC: “Foi legal, fizemos lives com Natiruts, D2, Planet Hemp, Raimundos e KVSH. Ajudou a manter a chama viva da expectativa de volta, aproximar os fãs dos artistas e de nossos eventos!”

Fomos às ruas para saber a opinião da população a respeito dessa nova tendência do meio musical. Conversamos com algumas pessoas e colhemos diversas opiniões a cerca do assunto. Acompanhe o vídeo a seguir.

A partir do contexto da pandemia, conversamos também com Flávia Ruas. Atuante no ramo da Comunicação com ênfase em Cultura há mais de 6 anos, Flávia é formada em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela UFMG e Especialista em Comunicação Digital pela PUC Minas.

Enquanto os artistas mais renomados arrecadam doações nas lives para ajudar instituições e pessoas carentes, os cantores de menor expressão, que tiveram sua renda reduzida drasticamente pela falta de shows ao vivo – muitas vezes em bares e festas, aglomerações inimagináveis em uma pandemia-, contam também com as doações dos fãs, mas com o propósito de se manterem. Além disso, a busca por patrocinadores também têm sido um garimpo incansável para quem vive de música.

O produtor musical Pica-Pau, de Londrina – PR, discorre um pouco mais sobre essa realidade e conta: “Não dá pra viver de live.”

Visando a posição dos artistas em relação às lives, nosso próximo convidado é o cantor sertanejo Bruno Cabral. Ele nos conta a visão de cima dos palcos, sobre a energia do público e muito mais.

O quinto episódio da nossa série conta com a participação de Patrícia Filizzola. Relações Públicas, produtora de eventos e professora de MBA na área de eventos, Patrícia conversou com o BeloriNews sobre o futuro das lives e a ascendência dos drive-in‘s.

O termo norte-americano drive-in é utilizado para denominar ocasiões em que as pessoas não precisam sair de seus carros para obterem e consumirem produtos ou serviços – no nosso contexto, o entretenimento. Os drive-in’s de entretenimento surgiram a partir da década de 60 nos EUA com os primeiros cinemas drive-in’s. No Brasil, esse formato só chegou no final dos anos 80 e logo perdeu força. Um fato curioso é que um único drive-in havia sobrevivido no país: o Cine Drive-In, de Brasília, em funcionamento desde 1973; porém, devido ao isolamento social necessário a partir da pandemia, presenciamos a ascendência de vários outros drive-in’s, em sua maioria de shows ao vivo.

Os eventos híbridos – que são aqueles com características tanto presenciais como virtuais -, por sua vez, ainda são novidade para o brasileiro. Em outubro de 2019, antes de qualquer indício de pandemia, uma pesquisa foi realizada pela VM Consultoria e a SSK Análises com base na visão de mercado dos eventos híbridos e o resultado, disponibilizado através da plataforma de eventos mobLee, já demonstrava que esse formato de eventos estava em ascendência. A pesquisa em questão, que contou com 116 entrevistados – dentre clientes, agências, produtores e fornecedores -, mostrava que 83% do mercado corporativo já vinha utilizando eventos híbridos, tendo predominância de uso em congressos, seguido por simpósios, seminários e fóruns e com e-games em terceiro lugar. A pandemia parece ter acelerado o estabelecimento dos eventos híbridos no mercado e, para além do uso corporativo, aberto a porta para que esse formato fosse mais uma alternativa tanto de entretenimento para o público, quanto de renda para artistas do meio musical.

Acerca da queda na procura por lives, o Google Trends (ferramenta que monitora a incidência de termos buscados no Google) indica que a partir de março desse ano – logo depois do início da pandemia – houve um aumento drástico de interesse do brasileiro pelas lives, porém a queda se deu tão rápido quanto a ascensão e logo no final de abril a procura – assim como a audiência das lives – despencou, evidenciando um possível cansaço do público em relação à repetição desse formato. Veja no gráfico abaixo.

Gráfico de incidência de buscas pela palavra-chave “live” em 2020 (Jan. a Dez.). Disponibilizado por Google Trends – acesso em 08/12/2020.
<https://trends.google.com.br/trends/explore?date=2020-01-01%202020-12-31&geo=BR&q=live>

No sexto episódio de nossa série, a convidada é a produtora de eventos, Dani Martins! Com experiência na área de produção de montagem, Dani conversou com o BeloriNews sobre a sua adaptação aos eventos online e suas experiências durante essa pandemia.

O auxílio emergencial cedido pelo Governo Federal no início da pandemia foi uma válvula de escape financeiro para diversos trabalhadores e funcionários do meio artístico, assim como no caso da próxima convidada. Mesmo não sendo uma quantia que se equipara à realidade do universo musical, o benefício foi uma grande conquista para os profissionais da área.

Yara Tôrres, técnica de som e personagem do sétimo episódio da nossa série, nos conta um pouco sobre a sua rotina e realidade em meio a essa pandemia.

Com cerca de 97% das atividades artísticas e culturais paralisadas, a ABRAPE – Associação Brasileira dos Promotores de Eventos – luta sobretudo por melhores condições de trabalho de seu nicho e também contra o desemprego da categoria, principalmente em meio ao cenário da pandemia.

Em um encontro com o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no mês de dezembro, o empresário e presidente da ABRAPE, Doreni Caramori Júnior, apresentou reivindicações acerca dos profissionais que estão ainda defasados com os danos causados pela pandemia. 

“Nós somos um setor historicamente financiado pelo capital de giro, sem possibilidade de captar financiamento. Além disso, mesmo que as medidas do governo ao longo da pandemia tenham atenuado os impactos, já estamos entrando em curva ascendente novamente.”, disse Doreni.

Rodrigo Maia, atento aos dizeres de Doreni, se comprometeu a apoiar e ajudar nas articulações que giram esse mercado tão necessário para o bem cultural da sociedade.

Ainda na sonorização, quem também conversou com a gente foi o técnico de som Mateus Santos, que conta como está sendo a realidade dos eventos em torno de sua empresa, a MS Sonorização.

A acessibilidade é um assunto recorrente se tratando de eventos e, em plena pandemia, não poderíamos deixar de fora esse assunto tão pertinente. A presença de um intérprete de libras em lives foi uma revolução dentro de tal mercado, se tornando a principal fonte de renda desses profissionais. E no último episódio da nossa série de vídeos, Flávio Maia, intérprete em libras, nos conta um pouco sobre sua rotina, preparação e expectativas para o futuro dessa área e destaca: “É importante gerar conteúdo, e o mais importante: gerar conteúdo acessível para o máximo de pessoas possível.”

Para falar sobre as lives a partir de uma visão mais acadêmica, convidamos Maurício Guilherme Silva Júnior – jornalista e músico – para uma roda de conversa bem descontraída e pertinente no Beloricast, o podcast do BeloriNews. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

A partir dos depoimentos dos entrevistados sobre o tópico proposto, é possível concluir que as lives têm o potencial para ser um novo produto do mercado musical, porém somente se houver uma atualização de sua configuração após o fim da pandemia, uma vez que é evidente que elas não conseguirão competir com os shows presenciais após seu retorno por diversos fatores, dentre eles as experiências sensoriais, a geração de empregos e de renda. Apesar de ter um alcance superior ao dos eventos presenciais quando se fala em público e publicidade, faltam às lives o calor humano, a periodicidade que dá segurança financeira à quem trabalha na área de eventos e a circulação de capital.

As lives surgiram como um paliativo aos shows, suprindo uma necessidade de uma grande demanda, mas de maneira momentânea e, até então, repetitiva e que logo decaiu. Ao mesmo tempo, esse formato pode encontrar seu lugar no mercado caso ofereça algo inédito para o público. Nos resta aguardar pelo retorno dos eventos presenciais e pelo surgimento de algum pioneirismo que possa colocar as lives em definitivo no cenário musical como um formato lucrativo e competitivo.

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